quarta-feira, 22 de abril de 2015

Entrevista: Daniel Moutinho



O Blog da EdUERJ conversou com o Daniel Moutinho, mestrando de literatura comparada pela UFRJ, um dos autores cujos artigos foram selecionados para livro V Encontro do Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea, lançado pela EdUERJ. O ensaio de Daniel iluminou determinadas características de “A audácia dessa mulher”, livro de Ana Maria Machado.

Como foi o processo de produção do texto “A metaficção de A audácia dessa mulher, de Ana Maria Machado"?

Esse ensaio é parte da pesquisa da minha Dissertação de Mestrado, na qual estudo dois romances metaficcionais: este eCordilheira, do Daniel Galera. Quando surgiu a chamada para o Encontro do Fórum de Literatura Brasileira Contemporânea, em meados de 2014, eu estava mais envolvido com este livro do que com o Cordilheira, por isso escolhi esse tema. É uma forma de apresentar resultados parciais da pesquisa e de pôr as hipóteses à prova.

Quais qualidades que te atraíram no livro dessa autora?

A leitura desse romance, há alguns anos, me incomodou muito - no bom sentido! Eu não entendia como uma mulher culta (uma das personagens do livro), que já tinha sido professora de literatura, lia o diário de uma personagem como Capitu e não a reconhecia. Devorei o livro para descobrir que explicação ele daria. Daí surgiu meu interesse pela metaficção. Quer dizer, uma leitura catártica me levou a levantar questionamentos teóricos e, consequentemente, me rendeu um projeto de Mestrado.

Em que o seu texto apresenta um olhar diverso de outras análises que vêm sendo feitas sobre a mesma obra?
Todos os trabalhos sobre "A audácia" que encontrei falam muito da questão feminista e do Dom Casmurro. Eu concordo que não dá para analisar o livro sem isso, mas nenhum deles se aprofundava no caráter metanarrativo, e me propus a pesquisar isso.

Esse romance de Ana Maria Machado é considerado metaficcional e dialoga com Dom Casmurro. Por que você acha que o livro de Machado de Assis provocou essa “resposta literária” da escritora?

A audácia...foi publicado em 1999, no centenário de Dom Casmurro. Apesar de subverter o romance de Machado, é uma homenagem e uma atualização das questões de gênero que permeiam essa obra. No Dom Casmurro, Bentinho e Capitu vão para a Europa, ele volta sozinho e ela some da história. Ana Maria deu continuidade à vida dela; é uma ideia muito bonita.

Aproveitando e falando um pouco do clássico de Machado de Assis...Há aqueles que consideram o livro Dom Casmurro uma obra de teor “falocêntrico” e machista. Já outros veem uma certa crítica àquela sociedade da época, ao demonstrar o personagem principal tão obcecado (ou paranoico). Você se colocaria em algum desses lados?

Acho injusto "criticar" uma obra de Machado por um suposto machismo em seu conteúdo. É uma espécie de anacronismo crítico e teórico: julgar um texto do passado com as ideias de hoje. Machado, como qualquer um de nós, é um homem do seu tempo, existe um contexto social por trás. É bom lembrar que foram necessários 60 anos para a dúvida sobre a traição de Capitu ser levantada. A primeira a falar disso foi uma crítica mulher, e norte-americana, Helen Caldwell. Ou seja, de um contexto sociocultural totalmente diverso daquele em que Machado produziu. Até 1960 Capitu era adúltera e ponto final, o que diz alguma coisa sobre a expectativa da sociedade brasileira sobre o assunto. Sobre a crítica à sociedade da época, ela está presente em todo Machado; com certeza ele não queria que Bentinho fosse visto como um herói ou qualquer tipo de exemplo a ser seguido. Nesse sentido ele estava muito à frente de seu tempo...

Voltando ao seu ensaio publicado no livro da EdUERJ, Ana Maria Machado optou pela intertextualidade, com uma obra dentro de outra. Você acredita ser este um recurso de cunho estritamente estilístico ou há também outros motivos para trilhar esse caminho?

Neste caso, existe um propósito claramente político: o de repensar as relações de gênero a partir de uma personagem clássica da literatura nacional. A intertextualidade e a metalinguagem formam, emA audácia..., um jogo de espelhos em que todas as personagens femininas se refletem em uma Capitu reinventada, que trilha seu próprio caminho, conta sua própria história e se torna uma empresária bem-sucedida na Europa após se separar do Bentinho. Dá para considerar como um recurso "pós-moderno", e o pós-modernismo é bastante criticado por um suposto esteticismo acrítico, inconsequente. Não é o caso deste romance, com toda a certeza. É um livro feminista.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.