quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Talento que sobreviveu à colonização


A influência dos textos indígenas sobre a literatura produzida nos últimos 150 anos no Brasil e em países vizinhos é cuidadosamente interpretada em Literaturas da floresta – textos amazônicos e cultura latino-americana, de Lúcia Sá, lançamento da Editora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (EdUERJ). Nesta incursão de análise literária, o leitor vai conhecer mais sobre a produção cultural da Floresta Amazônica e das planícies da américa do sul, casa de centenas de tribos indígenas, e para onde muitos escritores se movimentaram no século XIX, apropriando-se de enredos e personagens da literatura local. A transmissão dessas tramas e lendas dispersou-se pelas línguas portuguesa e espanhola; modificadas e reconstruídas tantas vezes, que tornou árdua a tarefa de reconhecer nestas obras os traços de seus criadores.

Para falar desta influência, assunto que permanecia tão econômico de registros, a autora analisa material diverso. Em um dos capítulos, ela observa o impacto que as transcrições de narrativas indígenas coletadas pelo etnólogo alemão Theodor Koch-Grunberg produziram sobre Mario de Andrade, repercutindo em Macunaíma. A autora também aponta para o uso que Mario Vargas Llosa faz da literatura machiguenga em O falador. Além disso, examina o romance Maíra, de Darcy Ribeiro, comparando-o a obras antropológicas do mesmo autor. Nomes como Gonçalves Dias, Raul Bopp e Alejo Carpentier também comparecem sob olhares analíticos. O resultado é uma descrição minuciosa de um legado que ressoa, indiscutível, na literatura latino-americana.

Literaturas da Floresta compõe-se de quatro partes, correspondentes às quatro tradições da planície amazônica que mais significantemente impactaram a obra de autores sul americanos. A saber: a tradição macro-caribe, a tupi-guarani, o sistema tukano-arauaque do Alto Rio Negro e o arauaque ocidental. O material produzido pelos habitantes destas regiões também é enumerado, como Antes o mundo não existia, a primeira história da criação publicada no Brasil e na América do sul sob a autoria dos próprios índios.

Os personagens e narrativas indígenas compilados neste estudo desafiam formulações simplistas e maniqueísmos, desconstruindo a visão que subestima a capacidade intelectual do índio. Literaturas da Floresta caminha contra o preconceito reforçado à exaustão na cultura de massas, e que legitima a violência e a espoliação, sob o pretexto de os índios serem “selvagens”, “analfabetos” ou “sem discernimento”.

O trabalho de Lúcia Sá, indicado ao Prêmio Jabuti, na categoria teoria e crítica literária, redimensiona a contribuição indígena à nossa literatura. Além disso, ajuda-nos a elaborar de forma mais fidedigna a história de nossa cultura, oferecendo pontos de interrogação às versões tantas vezes repetidas das narrativas dos primeiros colonizadores.

 

 

 

 

 

 

 

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